9 de julho de 2021, Comment off

Trabalho presencial da gestante durante a pandemia (Lei nº 14.151)

Por Déborah Amorim Silva. Inicialmente, cumpre lembrar que a recém-publicada Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.

A lei é dotada de apenas dois artigos, estabelece que, in verbis:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Dessa forma, a lei determina o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presenciais durante a pandemia, restringe as atividades presenciais e estabelece que a gestante não deve sofrer prejuízos em sua remuneração (termo que compreende salários, gorjetas, gratificações legais e comissões – artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho), permitindo, entretanto, o trabalho realizado à distância.

Por ser sucinta, o empregador deve ir além da simples leitura da lei para atingir o real objetivo dela, o de proteger a saúde da empregada gestante sem inviabilizar os negócios e prevenir riscos trabalhistas futuros.

Nesse sentido, a lei impôs uma obrigação, um dever compulsório e não opcional. Ainda que a empregada gestante prefira ou tenha interesse em permanecer prestando serviços na empresa, ela não poderá dispor deste direito (princípio da indisponibilidade/irrenunciabilidade de direitos trabalhistas).

O afastamento compulsório da gestante, garantida sua remuneração, não representa uma licença remunerada, uma vez que a legislação coloca a empregada gestante à disposição do empregador para executar seu labor de forma não presencial (por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância). O legislador não dispensou, através da Lei nº 14.151/21, as empregadas gestantes das obrigações laborais.

Dentre as opções para a migração do trabalho não presencial para as empregadas gestantes, há as seguintes alternativas:

1-             Migração integral das funções da gestante para o trabalho não presencial: definindo limites e regras, formalizando a nova modalidade, além do oferecimento de equipamentos, estrutura e orientações para a realização desse trabalho.

2-             Migração parcial das funções da gestante para o trabalho não presencial: apenas parte do trabalho vai poder continuar sendo efetuado pela empregada, lembrando que não pode haver prejuízo à remuneração.

3-             Em havendo a impossibilidade absoluta de que o trabalho seja realizado de forma não presencial

3.1           Suspensão do contrato de trabalho (Medida Provisória 1.045/2021): esta alternativa prevê a suspensão do contrato de trabalho por até 120 (cento e vinte) dias. No entanto, a situação importaria em prejuízo à remuneração da empregada gestante, pois receberia 70% do valor da tabela do seguro desemprego.

Assim, para validar essa opção, o empregador deverá que arcar com a diferença entre o valor recebido na suspensão e remuneração normal da empregada além do pagamento ao FGTS e contribuições previdenciárias referentes ao período.

A complementação é necessária pelo empregador, pois há o entendimento de que a suspensão contratual com o pagamento da diferença remuneratória, FGTS e contribuições previdenciárias, não gera qualquer lesão à empregada gestante, em que o Estado assume parte despesas dessa relação.

3.2           Banco de horas negativo (Medida Provisória 1.046/2021): consiste em contabilizar horas não trabalhadas, pagando normalmente a remuneração do empregado, gerando o direito de o empregador exigir essas horas contabilizadas, em até 18 (dezoito) meses, em labor além da jornada normal do empregado, limitado a 02 (duas) horas diárias – sem pagamento das mesmas.

3.3           Antecipação de férias (Medida Provisória 1.046/2021): esta alternativa depende de ato unilateral do empregador, pois basta a comunicação à empregada. A gestante ficará afastada e a sua remuneração será mantida integralmente. Nesta situação apenas o terço de férias poderá ficar pendente de pagamento, nos termos da medida provisória que a instituiu.

Nos termos do artigo 5º, § 3º da MP 1.046/2021 (“Os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus (covid-19) serão priorizados para o gozo de férias, individuais ou coletivas, nos termos do disposto neste Capítulo e no Capítulo IV.”), entende-se, inclusive, que esta opção tem preferência sobre as demais em se tratando de gestante com impossibilidade de trabalho não presencial.

Insta mencionar que entende-se que poderá ser antecipada apenas uma férias, ainda que incompleto o período aquisitivo.

3.4           Aproveitamento e antecipação de feriados (Medida Provisória 1.046/2021): embora represente poucos dias, esta medida mostra-se viável e também depende de ato unilateral do empregador, pois basta a comunicação ao empregado. Podem ser antecipados os feriados nacionais, estaduais e municipais sejam eles civis ou religiosos.

O único ponto é o de que não é recomendável que se antecipe feriados de anos vindouros, pois feriado é descanso, portanto, norma de saúde e segurança e tal medida pode ser considerada abuso de direito.

Apresentadas algumas opções, deve-se atentar para a obrigatoriedade do afastamento da gestante do trabalho presencial e a ausência de prejuízo à sua remuneração enquanto perdurar o estado de emergência em saúde pública nacional decorrente do novo coronavírus, ainda que a lei apresente algumas lacunas.

Para alterar as condições de trabalho da gestante, recomenda-se a assinatura de um termo aditivo ao contrato de trabalho original, com a menção à lei, a fim de contemplar a nova forma de trabalho, sua duração, bem como os cuidados a observar no trabalho em residência, jornada de trabalho, descanso, prevenção de ambientes, deixando as regras estipuladas e claras.

O empregador deve continuar acompanhando e apoiando a empregada gestante durante o período pelo qual o contrato de trabalho sofrer adaptações, especialmente quanto à sua saúde e bem-estar.