STJ: sociedades limitadas, mesmo quando caracterizadas como de grande porte, não precisam publicar demonstrações financeiras

24 de março de 2023, Comment off

STJ: sociedades limitadas, mesmo quando caracterizadas como de grande porte, não precisam publicar demonstrações financeiras

Fonte: por Déborah Amorim Silva. Decisão da 3ª Turma do STJ sobre registro empresarial.

No caso, se discute se as sociedades limitadas de grande porte estão ou não obrigadas a publicar as suas demonstrações financeiras previamente ao arquivamento na junta comercial no diário oficial e em jornal de grande circulação.

As sociedades empresárias impetraram mandado de segurança em de autoridade coatora vinculada à Junta Comercial do Estado do Rio do Janeiro – JUCERJA – porque esta estava exigindo a publicação de demonstrações financeiras de sociedades limitadas de grande porte, com base no artigo 3º da Lei nº 11.638/2007, in verbis:

“Art. 3o Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.
Parágrafo único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).”

Dessa forma, as impetrantes ajuizaram a medida judicial para serem desobrigadas da publicação das demonstrações, sustentando que a referida norma estabelece as obrigações de escriturar e elaborar tais demonstrações, contudo não preconiza a obrigação de publicá-las.

Por sentença, a ordem foi denegada. Por oportuno, colhe-se da decisão o seguinte fragmento: “No caso, pretende a parte impetrante a anulação de ato da autoridade impetrada, que indeferiu o requerimento de arquivamento das Atas de Reunião de aprovação das contas e demonstrações financeiras das demandantes sem a prévia publicação das mesmas na imprensa oficial e periódicos de grande circulação.”

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região desproveu a apelação das impetrantes, nos seguintes termos:

APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. SOCIEDADE LIMITADA DE GRANDE PORTE. OBRIGATORIEDADE DA PUBLICAÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS PREVIAMENTE AO ARQUIVAMENTO EM JUNTA COMERCIAL. CABIMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
1. Apelação contra a sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelas apelantes para que a autoridade impetrada se abstivesse de aplicar as Deliberações JUCERJA, n°s 53/2011 e 62/2012, e, por via de consequência, os Enunciados n°s. 39 e 49, afastando a exigência de publicação de demonstrações financeiras no diário oficial e em jornal de grande circulação.
2. Na origem, as apelantes se insurgiram contra ato da autoridade impetrada que negou o arquivamento dos seus atos societários ordinários e obrigatórios desde o exercício de 2014, invocando as mencionadas deliberações e enunciados, para exigir que as mesmas comprovassem a publicação de suas demonstrações financeiras.
3. A intenção do legislador, ao promulgar a Lei n° 11.638/2007, que trata da divulgação de demonstrações financeiras das sociedades de grande porte, é de tornar obrigatória a publicação das demonstrações financeiras de sociedades empresárias limitadas de grande porte (TRF2, 68 Turma Especializada, AC 00435956020124025101, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, DJE 21.2.2017).
4. Afigura razoável e até mesmo aconselhável a existência de mecanismos que assegurem a prestação de informações acerca da saúde financeira das empresas de grande porte, haja vista os efeitos sistêmicos que uma crise ou uma eventual quebra dessas sociedades poderiam acarretar na economia.
5. Apelação não provida. (grifei)

Nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no entanto, deu provimento ao recurso especial por decisão unânime, de acordo com o REsp 1.824.891, cuja ementa ora se colaciona:

RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE LIMITADA DE GRANDE PORTE. LEI 11.638/2007. NORMA QUE ESTABELECE EXPRESSAMENTE A APLICAÇÃO DA LEI 6.404/76 NO QUE SE REFERE A ESCRITURAÇÃO E ELABORAÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. OBRIGAÇÃO DE PUBLICAÇÃO. ATO EXCLUÍDO DA LEI. SILÊNCIO INTENCIONAL DO LEGISLADOR QUE IMPLICA EXCLUSÃO DA OBRIGATORIEDADE DAS EMPRESAS LIMITADAS DE GRANDE PORTE PUBLICAREM SUAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ENTRE OS PARTICULARES. RECURSO PROVIDO.
1. O artigo 3º, “caput”, da Lei 11.638/2007 somente fez referência sobre a obrigatoriedade da escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, excluindo expressamente a palavra publicação que constava do projeto de lei.
2. É possível concluir que houve um silêncio intencional do legislador em afastar a obrigatoriedade das empresas de grande porte de publicarem suas demonstrações contábeis.
3. Em atenção ao princípio da legalidade ou da reserva legal, compreendido como base do Estado Democrático de Direito, somente as leis podem criar obrigações às pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas. Logo, por falta de disposição legal, não há como obrigar as sociedades limitadas de grande porte a publicarem seus resultados financeiros.
4. Recurso especial provido. (grifei)

Em outras palavras, o acórdão unânime proferido pela 3ª Turma do STJ acolheu a tese das impetrantes, no sentido de que o art. 3º da Lei 11.638/2007 somente fez referência à obrigatoriedade da escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, excluindo expressamente a palavra “publicação”.

Ressalte-se que o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) já tinha esse mesmo entendimento do STJ desde 2008, quando o então Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC) enviou Ofício Circular para as Juntas Comerciais com o seguinte assunto: “Publicação facultativa de demonstrações financeiras, em Diário Oficial e em jornais de grande circulação, das sociedades limitadas de grande porte” (existe ação judicial contra esse ofício, mas até o momento prevalece decisão favorável ao DREI).

Com essa decisão, novos debates surgem acerca da interpretação da norma no sentido da exigência ou não da publicação das demonstrações financeiras das empresas consideradas de grande porte.

O Grupo GRAM está à disposição para maiores informações e detalhes sobre o tema.