2 de junho de 2021, Comment off

Estabilidade de colaboradoras em casos de perda gestacional

Por Déborah Amorim Silva. Como sabemos, o art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT veda a dispensa sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez (data da concepção ratificada por laudo médico) até cinco meses após o parto.

Nos casos em que há a perda do bebê, é necessário verificar se houve um aborto espontâneo ou nascimento de natimorto (quando o bebê, em tese, teria chances de sobreviver fora do útero). Atualmente, o entendimento da medicina é o de que o nascimento do natimorto ocorre por volta da 22ª semana de gestação. Antes disso se trata de um aborto espontâneo.

No caso do aborto espontâneo, a empregada tem uma pequena estabilidade, vez que faz jus a duas semanas de repouso remunerado, não podendo ser demitida nesse período. O desligamento só pode ocorrer após o retorno da empregada às atividades.

Já no caso de nascimento de natimorto, a empregada ainda tem direito a licença-maternidade – com consequente pagamento de salário – de 120 dias, além da estabilidade de cinco meses.

Nesse sentido, decidiu o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2015, ao reconhecer o direito à estabilidade provisória da empregada cujo filho nascera sem vida. À época, o ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do processo, afirmou que “não se mostra razoável limitar o alcance temporal de um direito da trabalhadora, sem fundamento legal ou constitucional razoável para tanto”.

Importante salientar que, no campo da Justiça, a questão referente ao tempo de gestação não está bem definida, vez que a Instrução Normatica INSS/PRES 45 prevê no artigo 294, §3º que para fins de concessão do salário-maternidade, considera-se parto “o evento ocorrido a partir da vigésima terceira semana (sexto mês) de gestação, inclusive em caso de natimorto.”

Contudo, alguns julgadores, dentre eles, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, concedem a licença-maternidade, mesmo no caso de feto natimorto, a empregadas que deram à luz a partir da 20ª (vigésima) semana de gravidez.

Além de estar prevista no artigo 10, inciso II, alínea b, da ADCT, a estabilidade da trabalhadora gestante é garantida pela Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Súmula nº 244 do TST

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).

 II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

 III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Dessa maneira, para os casos em que haja nascimento sem vida ou com morte pós-parto da criança, o entendimento é o de que a empregada tem o mesmo direito à estabilidade que àquela em que a criança nasceu com vida e sobreviveu, posto que a estabilidade provisória de emprego prevista na legislação não está condicionada ao nascimento com vida.

Assim, mesmo que a empregada tenha descoberto a gravidez após a dispensa, terá direito à reintegração ao trabalho, por estar dentro do prazo da estabilidade provisória (cinco meses após o parto), conforme dispositivo legal citado acima.

Com relação ao procedimento para reintegração da empregada, em que pese a lei omissa neste ponto, a orientação é a de que a empresa, verificando através de exames que a data da concepção ocorreu dentro do período do contrato de trabalho, notifique a empregada de sua reintegração ao emprego.

No momento em que for reintegrada ao emprego, a corrente majoritária sugere que haja acordo entre as partes para a compensação sobre os valores já recebidos pela empregada quando da rescisão cancelada, tais como 13º salário, saldo de férias, aviso prévio. Pode, inclusive, ser pactuado que a empresa deduzirá do montante a ser descontado da empregada os salários devidos pela empresa relativos ao período entre a dispensa e a efetiva reintegração.

No entanto, é lícito também que a empregada devolva os valores rescisórios recebidos, porque, afinal, são valores pagos indevidamente, ao passo que o empregador deve efetuar o pagamento dos salários relativos ao período em que ela esteve afastada, caso assim optem as partes.

Uma terceira alternativa seria o acordo entre as partes quando de uma nova e futura demissão, atualizando-se os valores já pagos para fins de compensação com os valores eventualmente devidos por conta da nova demissão.

No que tange aos valores de FGTS – inclusive a multa de 40% – e seguro desemprego, predomina o entendimento de que não é exigido providências por parte da empresa e nem da empregada reintegrada, posto que não existe previsão legal sobre a obrigatoriedade da devolução de tais valores. E ainda, que o valor depositado a título de FGTS é direito da empregada, devido durante todo o contrato de trabalho e que encontra-se apenas retido, havendo perspectiva de liberação futura. Diante de situações similares, a Caixa Econômica Federal, através da Circular nº 450/2008, que estabelece procedimentos pertinentes aos recolhimentos Mensais  Rescisórios ao FGTS e das Contribuições

“20.14 Havendo reintegração de trabalhador, por decisão judicial, cuja rescisão ensejou o saque do FGTS, fica o trabalhador desobrigado de promover a reposição do valor sacado, devendo, a empresa, em caso de nova demissão sem justa causa, informar a Caixa a fim de que seja recalculado o valor base para cálculo do recolhimento rescisório.”

Muito embora o item 20.14 da Circular trate de reintegração por decisão judicial, tal entendimento é estendido quando a reintegração decorrente da gravidez ocorrer antes de qualquer litígio. Isso porque, é incontroverso o direito à reintegração, sendo que a existência ou não de decisão judicial não modifica o cenário, não modifica o entendimento de que existiu boa-fé e que, portanto, a empregada fica desobrigada de promover com a reposição do FGTS sacado.

Em casos nos quais a empregada já sacou o FGTS e a multa de 40% de boa-fé e na época em que o saque realizado respeitou os requisitos legais do procedimento, a posterior alteração na situação, não é capaz de infirmar o ato jurídico perfeito então praticado.

Segundo a própria Caixa Econômica Federal, para estes casos, a empresa deve informar a situação para o recálculo do recolhimento rescisório futuro, ficando a empregada desobrigada de promover a reposição do valor sacado.

O posicionamento ora adotado é ratificado, conforme decisões judiciais abaixo colacionadas:

“DEVOLUÇÃO DOS VALORES SACADOS DO FGTS. Não há que se falar em devolução dos valores sacados do FGTS pelo empregado em caso de reintegração no emprego, já que são valores recebidos de boa-fé. (…)

A reclamante em seu recurso alega que já utilizou os valores sacados da sua conta vinculada e não tem condições de devolver. Acrescenta que sua demissão ocorreu em 2012 e que os valores depositados lhe pertencem, podendo ser levantados por outros motivos e não apenas no caso de despedida sem justa causa. (…)

Ainda, o art. 20, da Lei nº 8.036 de 1990 prevê hipótese sem que o empregado pode sacar o montante cumulado na sua conta vinculada conforme exposto:

“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: I- despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força maior; (…)

No presente caso, conforme inicial e confirmação da reclamada em sua contestação (id 1610689), a reclamante foi admitida na empresa reclamada em 22/12/2004 e demitida, sem justa causa, na data de 29/08/2012.

Dessa forma, não há que se falar em devolução dos valores sacados referente ao FGTS pela reclamante mesmo que esta foi reintegrada na empresa reclamada, pois o saque foi feito de boa-fé e há previsão legal para a prática de tal ato, já que demitida sem justa causa.

Dou provimento para cassar o comando de devolução à reclamada dos valores sacados da sua conta vinculada do FGTS.” (TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0020199-75.2013.5.04.0026 – grifamos)

“(…) é de se ponderar a existência de previsão expressa acerca dos procedimentos a serem adotados na hipótese de reintegração decorrente de determinação judicial, relativamente aos depósitos do FGTS, na Circular CAIXA nº 450/2008, item 20.14, segundo a qual fica o trabalhador desobrigado de proceder com a reposição do valor sacado, devendo a empresa, em caso de nova demissão sem justa causa, informar a CAIXA a fim de que seja recalculado o valor base para cálculo do recolhimento rescisório.” (TRT da 4ª Região, 8ª Turma, 0021562-63.2014.5.04.0026 RO, em 21/10/2015, Desembargador Fernando Luiz de Moura Cassal – grifamos)

Por se tratar de questão correlata, deve-se alertar que, segundo determinava o extinto Ministério do Trabalho e Emprego, a empregada deveria restituir as parcelas recebidas a título de seguro-desemprego. Por outro lado, o TST já decidiu que “no que tange ao seguro-desemprego melhor sorte não assiste à recorrente. Nos termos do artigo 7º, II, da CRFB e Leis 7.998/90 e 8.900/94, o seguro-desemprego é devido em caso de desemprego involuntário, dentre eles o sem justa causa. No caso, ainda que tenha havido a reintegração ao emprego, a autora foi dispensada imotivadamente, tendo recebido de boa-fé as parcelas relativas ao benefício, sendo indevida, portanto, sua restituição”. (grifamos)

Por fim, importante ressaltar que com a reintegração, o contrato de trabalho que estava então em vigor será reaberto, exatamente como se a dispensa sem justa causa não tivesse ocorrido, devendo ocorrer a desconsideração da baixa efetuada na CTPS, na ficha ou livro de registro de empregado, com a anotação da data da reintegração. Devendo, portanto, a situação da empregada retornar exatamente como era momento antes de sua irregular demissão.