28 de janeiro de 2022, Comment off

Da Legalidade e dos Limites dos Descontos da Gratificação destinada a cobrir eventuais diferenças no caixa – “Quebra de Caixa”

Por Déborah Amorim Silva. Como sabido, a prática denominada “quebra de caixa” refere-se à gratificação paga ao empregado que exerce a função de caixa e que deve responder pelas eventuais diferenças apuradas nos valores sob sua guarda, sendo lícitos os descontos pertinentes, a teor do artigo 462, § 1º, da CLT, que dispõe:

Art. 462 – Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. 

§ 1º – Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

Tendo em vista que é o caixa que tem posse do dinheiro, se falta algum numerário, a sua culpa é presumida.

Em regra, a Convenção Coletiva de Trabalho deve prever o limite e a forma dos descontos. Porém, em caso de omissão, a CLT seja utilizada de forma supletiva e subsidiariamente.

Em relação ao limite dos descontos mensais, a CLT não disciplina expressamente a limitação em caso de danos neste aspecto. Sendo assim, temos duas opções:

1ª opção: de acordo com o entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, o desconto feito no salário do empregado que exerce a função de caixa com o objetivo de repor ao banco eventuais diferenças de numerário em seu caixa ao final do expediente é lícito, mas deve observar o valor da gratificação paga ao empregado a título de quebra de caixa.

Com base nesse raciocínio, o empregador deve descontar o valor máximo da gratificação paga ao funcionário a título de quebra de caixa. Senão, vejamos:

RECURSO DE REVISTA. BANCÁRIO. GRATIFICAÇÃO. COMISSÃO DE CAIXA. VALIDADE DOS DESCONTOS. CULPA PRESUMIDA. Normalmente, os descontos no salário só são permitidos quando provada, pelo menos, a culpa do empregado. Esta é, no entanto, uma circunstância especial. Primeiro, porque se trata de empregado bancário que recebe uma gratificação destinada especificamente a cobrir eventuais diferenças no caixa. Segundo, porque, sendo ele o empregado que tem a posse do dinheiro, é presumida a sua culpa quanto à falta de qualquer numerário em seu caixa. Daí serem legítimos os descontos limitados ao valor da gratificação de quebra de caixa. Naturalmente, é ressalvada a possibilidade de o empregado fazer prova de ausência de culpa, como, por exemplo, em hipótese de assalto. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 954400720065130008 95440-07.2006.5.13.0008, Relator: Vantuil Abdala, Data de Julgamento: 13/05/2009, 2ª Turma, Data de Publicação: 29/05/2009)

2ª opção: a aplicação do parágrafo único do art. 82 da CLT, por analogia, que dispõe:

Art. 82 – Quando o empregador fornecer, in natura, uma ou mais das parcelas do salário mínimo, o salário em dinheiro será determinado pela fórmula Sd = Sm – P, em que Sd representa o salário em dinheiro, Sm o salário mínimo e P a soma dos valores daquelas parcelas na região, zona ou subzona.

Parágrafo único – O salário mínimo pago em dinheiro não será inferior a 30% (trinta por cento) do salário mínimo fixado para a região, zona ou subzona.”(grifei)

Logo, segundo essa orientação o desconto efetuado na remuneração do empregado pode ser realizado desde que não supere 70% (setenta por cento) do salário base vigente percebido pelo empregado, pois deve-se assegurar um mínimo de salário em espécie ao trabalhador.

Aqui, a empresa pode descontar o limite da diferença do caixa, em sua totalidade, desde que o valor em dinheiro pago ao empregado, à título de salário, não seja inferior a 30%. Isto é, a empresa pode descontar até 70% (setenta por cento) do salário base vigente.

Nesse sentido, analogicamente, a OJ-SDC- TST 18:

OJ nº 18 da SDC DESCONTOS AUTORIZADOS NO SALÁRIO PELO TRABALHADOR. LIMITAÇÃO MÁXIMA DE 70% DO SALÁRIO BASE. Os descontos efetuados com base em cláusula de acordo firmado entre as partes não podem ser superiores a 70% do salário base percebido pelo empregado, pois deve-se assegurar um mínimo de salário em espécie ao trabalhador.

Corroborando o exposto, seguem recentes jurisprudências:

DIFERENÇAS DE CAIXA. RESSARCIMENTO DE VALORES DESCONTADOS. O artigo 462, § 1º, da CLT dispõem, respectivamente, que: “Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. § 1º Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado”. No caso, ficou registrado na decisão ora atacada que a reclamante recebia de gratificação de caixa;, bem como “quebra de caixa”, previstos em norma coletiva, cuja finalidade era cobrir diferenças de valores no fechamento do caixa. Assim, se havia o pagamento da gratificação de caixa e de “quebra de caixa”, e essas rubricas se destinavam a compensar o empregado que poderia sofrer descontos por quebra de caixa, não há falar em ofensa ao artigo 462 da CLT. Recurso de revista não conhecido. (TST – ARR: 28204520105020362, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 24/06/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2015).

PERCEPÇÃO DA PARCELA QUEBRA DE CAIXA. DIFERENÇAS NO CAIXA. DESCONTOS. LICITUDE. A gratificação denominada -quebra de caixa-, percebida pelo empregado que exerce a função de caixa, tem por objetivo saldar diferenças verificadas no caixa sob sua responsabilidade. Por essa razão é lícito ao empregador efetuar os descontos no salário do empregado sempre que se constatar essa diferença e o empregado não demonstrar que esse evento resultou de fato estranho à sua atividade (v.g. assalto). É que ao caixa é atribuída a guarda e a responsabilidade pelo dinheiro a ser por ele manuseado. A responsabilidade é objetiva, consistente na obrigação de – cobrir- eventual diferença no encontro de contas, sem que esse proceder importe em transferir para o empregado o risco da atividade empresarial. (E-ED- RR – 52600-46.2002.5.09.0068, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 03/04/2012). (TRT-10 – RO: 01550201302010009 DF 01550-2013- 020-10-00-9 RO, Relator: Desembargador José Leone Cordeiro Leite, Data de Julgamento: 16/07/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: 04/08/2014 no DEJT).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONTOS DE DIFERENÇAS DE CAIXA. PAGAMENTO DE – GRATIFICAÇÃO DE COMISSÃO DE CAIXA- POSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESCONTOS DE DIFERENÇAS DE CAIXA. PAGAMENTO DE – GRATIFICAÇÃO DE COMISSÃO DE CAIXA-. POSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO. A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que os descontos salariais decorrentes de diferenças de caixa revestem-se de legalidade, ante a estipulação de vantagem concedida mensalmente pelo empregador a título de – gratificação de caixa-, objetivando cobrir o risco de eventuais diferenças a que estão sujeitos os caixas bancários. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST – AIRR: 1955000820065150145 195500-08.2006.5.15.0145, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 06/11/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/11/2013 – grifei).

Dessa forma, diante de ausência de previsão na convenção coletiva, o empregador pode escolher uma dentre as opções apresentadas:

·       1ª) descontar o valor máximo da gratificação paga ao funcionário a título de quebra de caixa e até o limite desta; ou

·       2ª) descontar até 70% (setenta por cento) do salário base vigente.

Por fim, independentemente da opção adotada, é importante que sempre antes de aplicar o desconto por falta de algum montante no caixa, seja oportunizado ao caixa fazer prova de que não teve culpa pela falta da quantia faltante, quando, por exemplo, foi vítima de um assalto, outro funcionário fechou o caixa ou outra hipótese qualquer.